Novos comportamentos do consumidor alteraram a cadeia de suprimentos logístico, isso é um reflexo da pandemia causada pelo COVID-19
Desde os primórdios de nossa civilização, na região do Crescente Fértil do Oriente Médio, entre os Rios Tigre e Eufrates, há aproximadamente 6 mil anos, as cadeias de suprimentos estavam focadas em regiões próximas dos núcleos de demanda. Isso diminuía custos e facilitava a vida de todos. Essa lógica praticamente não mudou por milhares de anos. Mas com a utilização da Rota da Seda em direção a China, no século I antes de Cristo, e depois com as grandes navegações, no fim do século XIV (quase 1500 anos depois) a busca por produtos de diferentes localidades se tornou um próspero negócio. Começava ali, de fato, a Globalização.
Já na segunda metade do século XVIII a Revolução Industrial trouxe uma nova dinâmica ao processo de manufatura que, até então, era artesanal. As mudanças tecnológicas que ocorreram nos 150 anos seguintes permitiram a fabricação em série (destaque aqui para Henry Ford com sua linha de produção) e a busca por insumos e mercados consumidores se tornou essencial para a sobrevivência das corporações. No entanto, tudo ainda era muito lento, principalmente nos modais de transporte. Situação que foi mudando ao longo do século XX.
Mesmo com todos avanços tecnológicos o custo do deslocamento de insumos e produtos acabados era excessivamente caro. Isso manteve boa parte da cadeia de suprimentos localizada num raio de abrangência relativamente próximo de unidades fabris e mercados consumidores. Mas nas duas últimas décadas do século passado, entre 1980 e o ano 2000, muitas empresas decidiram baratear a mão de obra, levando suas fábricas para nações onde os custos com colaboradores fossem menores. Nesse momento da história recente os modais de transporte já estavam melhor adaptados, oferecendo um serviço razoavelmente rápido, confiável e barato.
Quando as grandes corporações decidiram mudar suas fábricas para países do terceiro mundo ou até mesmo comunistas, como a China, elas viram em tal movimento uma oportunidade de otimizar os custos operacionais como um todo e ainda, de quebra, abocanhar mercados emergentes. A estratégia impulsionou a Globalização para um nível nunca visto antes. Quando entramos no século XXI a economia mundial estava completamente interconectada. A terceirização de serviços e etapas produtivas se tornou algo rotineiro. Cada um com sua expertise.
E tudo ia bem, com alguns solavancos, como a crise do mercado subprime em 2008, mas, enfim, ia bem. Até que eclodiu a Pandemia de COVID 19. A China fechou fábricas, para impedir a disseminação da doença. Ao longo de 2020 vários países se viram obrigados a fazer a mesma coisa. De lockdown em lockdown diversas fábricas foram parando suas atividades, por falta de insumos. Em contrapartida, o comércio eletrônico vivenciou uma explosão de consumo. Nos Estados Unidos o crescimento em 2020 foi de 32,4%, movimentando 794,5 bilhões de dólares. No Brasil o e-commerce aumentou suas vendas em quase 50%. De acordo com uma pesquisa feita pela empresa Ebit Nielsen 7,3 milhões de brasileiros se viram obrigados a comprar pela internet pela primeira vez. Só o Magazine Luiza aumentou suas vendas digitais no primeiro trimestre de 2020 em incríveis 148%! A Via Varejo (dona da rede Ponto Frio e das Casas Bahia) recuperou no ano passado todo o prejuízo de 2019 e teve um lucro no terceiro trimestre de 2020 de 519 milhões de reais, com o e-commerce respondendo por 41% das vendas.
Essa realidade modificou rapidamente hábitos de consumo. Os clientes começaram a optar por entregas mais rápidas, de preferência no mesmo dia (same day delivery). A pressão sobre toda a cadeia logística foi e está sendo imensa, principalmente para quem lida com a last mile, ou seja, a última milha antes do produto chegar ao consumidor.
O mercado se adaptou com velocidade impressionante ao mundo digital. Pelo menos os mais capazes, com recursos disponíveis para mudanças. O que se esperava que acontecesse em dez anos foi implementado em alguns meses. Mas ao mesmo tempo que o universo on line se expandia a cadeia de suprimentos continuava atravessando problemas com a falta de insumos. Essa realidade, principalmente a dependência da China, está forçando o Ocidente a rever sua política de Globalização, voltando os olhos para novas cadeias regionais de supply chain.
No entanto, talvez essa mudança não seja tão dramática. Segundo Jorge Arbache, vice-presidente de setor privado do Banco de Desenvolvimento da América Latina, em artigo publicado pela jornal Valor Econômico em fevereiro desde ano, Com exceção de equipamentos médicos e hospitalares, medicamentos e similares, há razões para se esperar que as respostas oficiais à pandemia não alterarão de forma significativa as Cadeias Globais de Valor (CGV) para além do processo de transformação já em curso. Afinal, a China é vista pelas empresas multinacionais como um sítio altamente atrativo e integrado para desenvolver, produzir e distribuir para todo o mundo vale lembrar que o maior valor intangível das cadeias de produção são as redes de colaboração e relacionamentos e a diversidade de provedores, que abundam naquele país. Mudar geografias de plantas industriais de forma abrupta seria exercício demorado, pouco eficiente e custoso, em especial na difícil conjuntura da economia mundial.
Mas Jorge Arbache faz também um outro alerta: Dito isto, há que se ter em conta, por outro lado, que a crescente politização de temas de comércio e investimentos poderá, efetivamente, influenciar os destinos das CGV. São muitos os sinais nesta direção, que incluem a imposição de medidas tarifárias e não tarifárias protecionistas; medidas que comprometem contratos comerciais livremente pactuados; sanções e bloqueios de ativos, pagamentos e transferências; legislações que interferem nas fusões e aquisições; ameaças de rompimento de diálogo em processos de harmonização de padrões técnicos e regulatórios; rompimento de acordos e padrões já harmonizados; tendência de fragmentação nos sistemas globais de pagamentos; e ameaças ao livre funcionamento e integração da internet em nível global. A isto se somam a estagnação da OMC e a inoperância do sistema de solução de controvérsias; a ênfase em acordos bilaterais de comércio em detrimento de multilaterais; e a emergência de movimentos nacionalistas e anti-imigrantes.
São dois os cenários possíveis que podem afetar a cadeia de suprimentos nos próximos meses. A tendência é que prevaleça a lógica de mercado. Dessa forma, a interdependência da supply chain deve seguir com seu ritmo atual. Com uma diferença: pensando em eventos futuros, como outras pandemias, provavelmente empresas mais precavidas vão criar ao seu redor versões menores e regionalizadas de cadeias de suprimentos, com capacidade ociosa para atender grandes demandas emergenciais.
Não se trata apenas de prudência. Há também outros fatores em jogo. O crescimento vertiginoso do e-commerce e a expectativa dos consumidores em receber o mais rápido possível suas encomendas tem exigido das empresas soluções criativas para atender a clientela. Entre as estratégias, novos fornecedores, de preferência situados na mesma região de destino do produto final. Entre os prestadores de serviços essa já é uma tendência consolidada. Até as grandes empresas de entregas têm feito investimentos altos em mercados regionais. O Grupo DHL, por exemplo, com matriz na Alemanha e presente em 55 países, tem apenas no Brasil 12 mil funcionários, 56 centros de distribuição e operações de transportes. Apresentar capilaridade é vital para a oxigenação do e-commerce.
Enfim, seja com Cadeias Globais de Valor ou Cadeias Regionais, a interdependência entre os componentes não vai deixar de existir. Pelo contrário. Será ampliada com transparência e cooperação entre os diversos players. Afinal, quando um para todos são prejudicados.
(O texto acima foi escrito com informações coletadas nos sites blog.portalsupplychain.com.br, cargox.com.br, istoedinheiro.com.br, apol.pt, exame.com, sopesp.com.br, valor.globo.com, gartner.com e cdn.cnt.org.br)
BÔNUS DE LEITURA
Seguem abaixo alguns impactos do e-commerce neste momento de pandemia na Logística como um todo e na supply chain em particular. Ficar atento às mudanças em curso é uma questão de sobrevivência:
- ESTRUTURA INTERNA
- O número de vendas on line pode ter aumentado, mas o cumprimento de normas de segurança com a COVID 19 impôs uma série de restrições que dificultaram a rotina operacional. São adaptações. Mas adaptações necessárias. Uma delas é a contratação de mais funcionários, até mesmo em virtude de profissionais adoentados. Tudo isso com o objetivo de não deixar o fluxo parar. Entre esses funcionários alguns com outros tipos de conhecimento, como analistas de dados, por exemplo.
- INVESTIMENTO TECNOLÓGICO
- A automatização, a Internet das Coisas e a utilização de drones em armazéns são alguns dos investimentos em tecnologia necessários para a sobrevivência da cadeia de suprimentos. Mas não são os únicos. O Digital Twin (Gêmeo Digital) da Supply Chain por exemplo fornece uma versão virtual de todo o processo e permite correções em tempo real do que está acontecendo. Além dessa novidade não podemos esquecer o uso de Big Data, Inteligência Artificial, Rede 5G e a Governança e Segurança da Cadeia de Suprimentos.
- LAST MILE
- As empresas do setor terão que se adaptar para estar mais perto de parceiros comerciais e consumidores, aumentando o número de centros de distribuição ou similares em pontos estratégicos.
- EXPERIÊNCIA DE CONSUMO
- De acordo com o CTT e-Commerce Report 2020, três dos principais motivos para os consumidores comprarem pela Internet foram a maior facilidade de compra (em relação às lojas físicas), preços mais baixos e a conveniência de adquirir a mercadoria à qualquer hora. Buscar atender o cliente de forma omnichannel, apresentar alternativas a produtos esgotados, informar sobre eventuais atrasos, providenciar opções de tracking e usar corretamente equipamentos de proteção individual durante a entrega podem melhorar a experiência de compra. Tecnologias imersivas durante a jornada digital também são ferramentas poderosas.